domingo, 10 de outubro de 2010

Você conhece seu vizinho?

Publicado em 29 de Setembro de 2010


Relações de amizade, amor e ódio nascem do convívio com aqueles que dividem mesma rua ou prédio. Episódios de cortesia ou intolerância traçam os rumos de relacionamentos duradouros ou longos embates em juízo



Muitos são os motivos que nos levam a ignorar as pessoas que moram ao nosso lado. Valorização da privacidade, falta de tempo e até desconfiança e medo podem levar a nos isolarmos em nossos lares. A alta rotatividade de moradores na vizinhança também estimula as pessoas a não se relacionarem com os semelhantes que residem na porta ao lado. Contudo, nas grandes cidades, onde o medo de reconhecer e ser reconhecido impera, pode-se encontrar histórias de pessoas que criam fortes laços de amizade que superam os muros de concreto e as barreiras do individualismo.

Há quatro anos, Natanael Gonçalves Dias, operador de telemarketing, varria seu quintal quando ouviu uma voz o chamando. Ele olhou para cima e viu que a pessoa que o gritava era uma garota na janela do segundo andar do prédio vizinho a sua casa. Ela se apresentou e o convidou para fazer algumas fotos com ela, só por diversão. Natanael topou e, assim, nasceu uma sólida amizade que nem a distância conseguiu dissolver. O operador de telemarketing se considera individualista e não é amigo de outros vizinhos. Somente o chamado da garota do prédio ao lado conseguiu amolecer seu coração. Mesmo quando ela passou um ano inteiro no exterior, Natanael continuou se encontrado com ela virtualmente, através do Messenger, um programa de mensagens instantâneas via internet.

Adriana Nascimento, engenheira da computação e professora de inglês, sempre ouvia, em seu apartamento que fica no Centro de Goiânia, uma voz que se destacava nas conversas da casa vizinha. Curiosa, certo dia, resolveu conhecer o dono daquela voz. Ela foi até a janela de seu quarto e chamou a atenção o garoto que varria o quintal. Fez um pedido inusitado: convidou o rapaz para tirar fotos à toa, como um passatempo. Ele aceitou o convite e é amigo de Adriana há quatro anos. Antes de ir para a Inglaterra, há um ano, Adriana e o rapaz saíam juntos, iam a boates e se encontravam pelo menos uma vez por semana para tomar um café e comer um bolo. Hoje, de volta do exterior, Adriana está grávida e, por enquanto, não vai a boates, mas os dois mantêm o bolo, o café e a conversa acrescidos de um filminho no DVD e muita navegação conjunta pela internet.

Ao contrário de Natanael, Adriana tem outros amigos que são seus vizinhos. Enquanto estava no exterior, ela não fez amizade na vizinhança. Não porque não queria, mas porque os ingleses são mais reservados que os brasileiros. “Na Inglaterra, não existe esse tipo de contato. Não é igual aqui, onde o vizinho pega uma açúcar ou um bombril”, explica ela. Ela também diz que os ingleses não passam do bom dia, da boa tarde ou da boa noite. Em seu prédio, no Brasil, Adriana tem os dois tipos de vizinho: os que trocam xícaras de açúcar e os que só se cumprimentam nos corredores.

Samira Elias Attux de Castro, doceira profissional, é do tipo de vizinha que gosta de dar bom dia e nada mais. Ela mora há 14 anos no Jardim América, sabe o nome de algumas pessoas que moram nos arredores de sua casa, mas nunca lhes fez uma visita. Ela diz que, quando morava em outro lugar, teve vizinho folgado que pedia copinho de café a qualquer hora do dia. A doceira também já foi vítima de fofoca e picuinha de vizinhos. Uma outra vizinha que não tinha telefone e sempre usava o seu chegou a entrar no apartamento da doceira sem permissão, acordá-la e perguntar se poderia fazer uma ligação. Ao se mudar para o Jardim América, Samira decidiu trancar sua casa. “A vida é muito melhor sem vizinho batendo na porta a qualquer hora”, conclui.

Da indiferença ao conflito

A porta do apartamento da advogada Graça Pinto Coelho vive trancada por motivos de segurança. Porém, se é um vizinho que aparece no olho mágico, a porta é aberta imediatamente. Graça adora ser amiga de seus companheiros de corredor porque, segundo ela, são as pessoas mais próximas depois da família.
A advogada diz que este tipo de amizade pode até passar dos pais para os filhos. Graça conta a história de laços de amizade entre sua família e outra que morava na casa vizinha. As famílias ficaram amigas há 18 anos, em Pires do Rio, mas o relacionamento resistiu às mudanças de cidades e continua aqui na Capital. Os maridos já se foram, mas as esposas continuam a firme relação e seus filhos, hoje, são amigos íntimos.
Mas nem tudo são flores. Em sua profissão, a advogada já atendeu uma cliente vítima de calúnias de uma vizinha. Durante a audiência, a acusada da calúnia chegou a levar um vidro cheio de carrapatos que alegou terem vindo do canil da sua cliente. Outro caso citado por Graça é um que envolve vizinhos e uma obra. As partes não concordam com a distância entre a nova construção e o muro e o embate acabou em juízo.

Graça não se considera brigona, porém já entrou em conflito com um vizinho. Ela conta que cuidava dos gatos dos telhados, os alimentava, vacinava e castrava. O dono da casa ao lado, porém, não gostava dos gatos e envenenou nove deles. A advogada subiu no te-lhado, recolheu os corpos, chorou e chamou a polícia. O caso, hoje, está nas mãos do Ministério Público, mas, passados muitos meses, nada aconteceu.
Graça diz que sempre tenta um acordo antes de levar os casos à justiça, pois acredita que esta é a melhor forma de resolver desentendimentos entre vizinhos que, assim como as famílias, são núcleos sociais importantes.  No entanto, no caso dos gatos do telhado, a advogada prefere não falar com o vizinho.

Nem sempre te amei

A corretora Carina Fagundes se casou em outubro do ano passado com seu antigo vizinho, o veterinário Gustavo Nepomuceno. Quando o conheceu, por volta dos quatro ou cinco anos de idade, eram vizinhos de muro. No começo, eles não se entendiam muito bem e as brigas infantis eram constantes. Para piorar, a “peste do vizinho” e futuro marido de Carina batia nos cães dela, roubava cacau do seu quintal e ainda atirava feijões pela janela.

Com o passar dos anos, as peraltices de criança terminaram e os dois se tornaram amigos, mas só começaram a namorar depois que ela se mudou da vizinhança, aos 13 anos. Os dois possuíam amigos em comum e mantiveram a amizade mesmo depois de Carina ter se mudado. Mais tarde, a amizade se transformou em amor e Carina e Gustavo engajaram um namoro de 10,5 anos que culminou com o casamento. “Ainda bem que o conheci como meu vizinho”, comemora Carina.

Quem mora ao lado
Na TV: Chaves - seriado da década de 1970 exibido diariamente pelo SBT mostra conflitos e amizades dos moradores de uma vila mexicana
No cinema: A guerra dos vizinhos - primeiro filme do diretor Rubens Xavier descreve a vida de duas famílias que vivem brigando em um fictício bairro de classe média baixa em São Paulo
Na livraria: Meu vizinho é um psicopata - livro da americana Martha Stout quer alertar as pessoas de bem contra o vizinho que age contra o bem comum e ensina a lidar com a situação
Na internet: www.sindiconet.com.br – site dedicado aos síndicos profissionais que pode ajudar os moradores a entender melhor o condomínio onde vivem

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