sábado, 9 de outubro de 2010

Irritação dominada

Publicado em 2 de setembro de 2010

 

Ficar irritado o tempo todo faz mal e complica a vida. Veja como domar aquela raiva que ataca no cotidiano

 

Tem gente que se irrita com o trânsito cada vez mais congestionado nas grandes cidades. Outros não suportam ouvir o cachorro do vizinho latindo sem parar. Até as crianças, malcriadas ou não, são apontadas por muitos como uma excelente fonte de irritação. Ficar possesso com as situações do dia a dia é muito comum. Aliás, manter-se calmo em um ambiente estressante é que parece anormal. O problema é quando o mau humor se torna constante. Acordar mal-humorado, manter-se assim durante o dia e ir dormir irritado pode ser o indício de algum transtorno mental. 

 

O psicólogo Cláudio Rogério Vieira de Sousa, especializado em patologia clínica e análise, afirma que muitos fatores podem favorecer o aumento da irritabilidade. Situações de muita cobrança e punição combinadas à pouca gratificação podem provocar a ira. Ambientes onde reinam o desrespeito e a ofensa também irritam e bastante. “O problema é quando uma resposta natural passa a fazer parte do comportamento”, explica. Se a frequência e a gravidade dos ataques de raiva se intensificam e a irritação passa a ser crônica, é hora de começar a se preocupar. O mau humor constante pode indicar a distimia, um estado depressivo constante e de intensidade leve que se inicia geralmente na juventude. Diferente da depressão clássica, a distimia não chega a incapacitar, mas traz sofrimento para o paciente e para as pessoas que se relacionam com ele.

 

Além desse quadro clínico, alguns traços de personalidade também podem contribuir para uma vida de constante irritação. Pessoas com baixa tolerância à frustração, pessimistas ou exageradas tendem a ser mais irritáveis. Lorena (nome fictício), assistente jurídica, faz acompanhamento psicológico para se tornar uma pessoa socialmente correta e sem raiva. “Costumo não segurar as emoções e exagero tanto para mais quanto para menos, mas não sou bipolar”, enfatiza ela. Seu comportamento explosivo atrapalha tanto na vida pessoal quanto na profissional e já deu até prejuízo financeiro. Ela se lembra de um dia em que irritada no trânsito bateu o carro quando se dirigia ao fórum de Goiânia. “Tinha consciência de que havia virado em local proibido, mas perdi a noção do que aconteceu e a batida só me deixou mais nervosa.” Tanta impaciência lhe custou R$ 3 mil.

 

Fabrício de Castro, designer gráfico e músico, diz não se irritar com frequência, mas é dado a explosões de raiva e isto já lhe custou algum dinheiro. Certa vez ele se irritou com o seu computador, deu um murro na CPU e a máquina teve que ir para a assistência técnica porque teve seu HD danificado. “Seria bom se, ao invés de ficar irritado praguejando e chutando as coisas, eu começasse a meditar e flutuar por aí.” Fabrício diz que o que mais incomoda é se irritar muito com coisas irrelevantes.

Relações abaladas

 

Não é à toa que a ira é um dos sete pecados capitais. A baixa tolerância e a irritabilidade não tiram o sono apenas de quem é nervosinho. O mau humor crônico costuma afetar amizades, namoros, casamentos, relações de trabalho e pode até prejudicar estranhos. Lorena*, quando está irritada, costuma afetar negativamente as pessoas a sua volta, geralmente seus familiares. Ela relata que esse estado de espírito a atrapalha discernir o certo do errado e não a deixa ver o limite do outro. O blogueiro Francis Leech é outra pessoa que cuja irritação costuma fazer sofrer as pessoas mais próximas. Ele afirma que se torna crítico demais e não perdoa os erros dos outros quando está irritado. Mas, para ele, pior do que estourar com alguém é a ressaca moral por ter feito isso. Ele diz que o arrependimento demora a passar e acaba estragando seu dia.

O psicólogo Cláudio Rogério Vieira de Sousa cita que situações de discordância e diferenças de opinião e culturais costumam gerar conflitos e isso contribui para o aumento da agressividade. Lorena* concorda. “Eu me irrito a ponto de não conseguir me expressar quando acontece de eu estar certa e a outra pessoa não admitir que está errada.” Já Fabrício perde a paciência que possui quando é abordado por fanáticos religiosos que o tentam converter a qualquer custo. Outro tipo que também o irrita bastante é o atendente de telemarketing que liga em horários impróprios e tenta lhe vender algo que o designer não quer comprar.

Longe deste mal

 

Existem dois caminhos a serem seguidos em direção a uma vida mais equilibrada, segundo o psicólogo Cláudio Rogério. Medicação psiquiátrica como ansiolíticos e antidepressivos é a via mais curta em direção ao bom humor. Já a psicoterapia ensina ao paciente como domar a raiva, aumentando a tolerância às frustrações . O autocontrole tende a aumentar quando se dá mais atenção aos fatores de proteção: como atividades prazerosas, atividades físicas, melhor tempo com a família e melhoria das condições de trabalho. Contribuir para um ambiente emocional mais positivo diminui a irritação crônica. O psicólogo ainda dá algumas dicas de como se controlar. Contar até dez realmente pode acalmar durante um acesso de raiva. Isso acontece por que, durante a contagem, ao invés de se dar vazão à emoção, o cérebro tem que raciocinar para contar. Focar a respiração também é um outro caminho para evitar explosões e atos impulsivos que tanto pode prejudicar o paciente. Outras intervenções personalizadas podem ser ensinadas em consultório para o controle das frustrações diárias.

 

Francis, que também é psicólogo, parece não precisar de terapia para transformar sua irritação em algo produtivo. Para ele, mau humor pode, sim, ser engraçado. Ele diz que “com toda certeza, meu blog é uma super válvula de escape: direto eu dou boas risadas fazendo videoposts sobre coisas que me irritam”. Francis já tem mais de dez mil inscritos e parceiros no youtube.com/francisleech que assistem a seus desabafos. Seus temas vão de copa do mundo ao cantor Fiuk, sempre com uma pitada de mau humor e crítica.

 

O músico Fabrício, que já se irritou até com passarinho cantando, revela que usou sua ira para escrever uma música de sua banda. Ele diz que, no momento em que compunha, não chegou a se sentir irritado, mas acabou projetando nela algo que o irrita muito, que é ser incomodado em casa, seja por telefone. Sob o sugestivo título de Misantropia, Fabrício fala sobre suas explosões de raiva por meio de palavrões abruptos e cita as “infames invasões” que lhe tanto incomodam. O refrão não poderia ser mais claro “Esse é meu lugar /Não ouse me incomodar.” Mas ele retifica a imagem de misantropo. “Não sou uma pessoa difícil de se conviver, mas, se for aparecer lá em casa, marque hora e dia com antecedência.”


Ciclo da Raiva
1º estágio – impaciência
2º estágio – irritação
3º estágio - agressão verbal ou física
4º estágio - explosão de raiva e descontrole

Veja como se acalmar no dia a dia
Conte até dez durante uma crise de raiva
Concentre-se na respiração e tente racionalizar
Pense antes de agir no calor de uma situação estressante
Aumente as atividades prazerosas
Faça exercícios físicos
Procure psicoterapia se não consegue se controlar sozinho
Só tome remédios com orientação médica
Leitura Zen
A arte de lidar com a raiva
Técnicas ensinadas pelo líder budista baseadas no bom senso que ensinam a paciência e impedem que a raiva se torne ódio mortal

2 comentários:

Susy disse...

Taí: gostei do artigo. Vou comprar o livro do Dalai Lama. Mas, sei não, acho q não adianta um só mudar. Mas vou tentar. Obrigada pelos conselhos...

Ana Paula disse...

Tenho distimia ha 10 anos, a sertralina me deixava tão bem, como se fosse feita para mim... Mas aí interrompi subitamente por causa da gravidez e meu Deus! Todos estão apavorados comigo! Muito mal humorada!