domingo, 10 de outubro de 2010

Trilogia do Vinil Vol. 2


Loucos por vinil

 

Publicado em 20 de Setembro de 2010

 

Nesta segunda parte da série de três reportagens sobre os ‘bolachões’, o DMRevista conversa com pessoas que adoram ouvir esses discos e são viciadas no barulhinho que a agulha faz quando eles rodam



 “Era um ritual simples e gostoso. Você tirava o bichinho da capa, punha o prato na vitrola (ou pickup), pegava a pequena alavanca do braço, virava para o lado que queria (78 ou 33 e 45) e, com cuidado, deixava pousar no sulco do disco. Daí ficava curtindo o som gordo e amigo. E, às vezes, tinha uns estalinhos ou chiados. Igualzinho à vida.” Assim o escritor e jornalista Ivan Lessa descreveu o deleite de se ouvir um disco tocar. Neste pequeno trecho, o escritor demonstra que o prazer que o vinil oferece aos seus amantes está além da música que ele toca. O álbum completo (capa, disco e encarte) é um objeto de desejo e a dificuldade de se clonar um vinil o torna único. Gustavo Vazquez, produtor musical, arquiteto especializado em acústica e sócio do Rock Lab, estúdio que faz gravações analógicas e digitais, completa Lessa. “A grande vantagem é que ele (o vinil) é um ícone, um fetiche que desperta outro prazer além da audição.”

Na época do lançamento do CD, no início da década de 1990, a indústria fonográfica propagandeava que a bolachinha era muito mais durável e resistente a danos que o vinil. No entanto, a possibilidade de se copiar o CD ou de se converter o áudio em outros formatos e ouvir seus arquivos no PC, no telefone ou no MP3 player acabou tornando-o descartável. Aliás, muitos que antes compravam CDs escolhem hoje baixar álbuns inteiros, músicas separadas ou discografias completas pela internet. Alguns pagam por isso, mas a maioria não. Essa imaterialidade e consequente desvalorização da música digital fizeram com que os apreciadores do bom som procurassem algo palpável para ouvir. Assim o vinil, com suas grandes capas e encartes, voltou à cena como algo único e altamente valorizado. Seu status foi elevado à obra de arte.

Wil, vocalista da banda goiana de punk-rock Desastre, acredita que reproduzir seus trabalhos em vinil é uma forma de saber que faz sentido gravar músicas. Quatro dos sete álbuns da banda foram feitos neste formato. O último foi a versão em LP do CD Perigo Iminente, lançado em 2005 na Alemanha pela Assel Records. O músico diz que CD é uma coisa superficial e que qualquer um pode fazer. Para ele, existe uma magia que envolve o processo de fabricação do vinil, é uma arte que não é para qualquer um. “Lançar um vinil é uma forma de acreditar que o esforço valeu a pena.” A banda também possui trabalhos reproduzidos em fita-cassete e lançados no exterior.

O Soundscan, um instituto que faz levantamentos de vendas de música e vídeo nos Estados Unidos e no Canadá, publicou que 2,5 milhões de vinis foram vendidos nos EUA em 2009. Incrivelmente, quase metade desses compradores sequer tinha toca-discos. De olho neste público, a Sony Music colocou no mercado brasileiro a série Meu Primeiro Disco, que faz o relançamento de 30 títulos de diferentes artistas de seu elenco e do acervo da RCA e da CBS. Cada álbum, além de conter um LP fabricado nos EUA igual aos lançados anteriormente, mas com áudio remasterizado, traz também um CD com faixas extras e um projeto gráfico que lembra um minidisco de vinil. A primeira edição do projeto reúne os trabalhos de estreia de Chico Science & Nação Zumbi, Engenheiros do Hawaii, Inimigos do Rei, Vinícius Cantuária e João Bosco. Cada um por ruidosos R$ 100.

Barulhinho Bom

Os amantes do vinil afirmam que colecionam e ouvem discos não somente por causa das capas e dos encartes. Segundo esses audiófilos, os sons reproduzidos pelas agulhas são melhores que os do CD e nem se comparam aos do MP3. Os especialistas explicam que, para que o som digitalizado caiba no CD, o som natural é capturado em pequenas amostras ao longo do tempo de gravação, que são grudadas em sequência. O que se tem então é um som picotado, diferente da fluidez encontrada nas gravações analógicas. Além disso, os formatos digitais cortam os sons mais graves e os mais agudos para diminuir o tamanho do arquivo. Quanto mais leve a extensão, menor a amplitude sonora alcançada. Assim, uma música gravada e reproduzida analogicamente (e o vinil reproduz dessa forma) permite ouvir tudo que a banda gravou.

Tudo, inclusive ruídos indesejados. Mas até isso é uma vantagem para os entusiastas. Eles dizem que o som que ouvimos naturalmente é cheio de interferências, assim como o som que vem do vinil. Alguns gostam até do barulhinho que o atrito da agulha com a bolacha provoca. A cantora Vanessa da Mata é uma das que têm fetiche pelo chiado. “O som do CD é menos humano. Com o LP, parece que a música está sendo tocada na sua sala”, exalta ela.

Vinifilia hereditária

Fal, vocalista da banda goiana Rollin' Chamas, é outro que prefere músicas gravadas analogicamente e reproduzidas em vinil. Em 1989, o músico, na época baterista da banda de hardcore HC-137, gravou o álbum Nas coxas, que foi lançado como um LP split em parceria com a banda Morte Lenta. Segundo Fal, este foi o primeiro vinil lançado por bandas de rock goianas. Hoje o músico possui uma coleção pequena (apenas 50 discos), mas diz que costuma ouvir sempre. Ele e o filho de dois anos. Entre álbuns de David Bowie, Black Sabbath e Bee Gees, destacam-se os vinis coloridos da série Carroussell, que traz historinhas e cantigas infantis. Quando quer ouvi-los, o menino Rafael pede ao pai: “Disco, disco.” Obediente, Fal coloca o vinil no toca-discos e o aprecia com o filho. Alguns álbuns da Rainha dos Baixinhos também estão na coleção.

Amanhã, na última parte da Trilogia do Vinil, conheça os lançamentos e relançamentos da industria fonográfica e saiba mais sobre a reabertura da brasileira Polysom: a única fábrica de vinil da América Latina.

 

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