Pranchas de skate se transformam em obras que evidenciam a polivalência dos objetos, das cidades e das pessoas
A exposição Polivalente, do artista plástico goiano Marcelo Peralta, encerrou-se ontem. A exibição, realizada pelo Museu de Arte de Goiânia (MAG), trouxe diversas obras do artista em suportes tradicionais e em outros inusitados, como uma prancha de madeira usada em resgates e skates. O uso de técnicas variadas de pintura e desenho mostram a polivalência de Peralta para explorar temas que pretendem, nas palavras dele, “questionar, investigar e expor as peculiaridades de nosso modo de vida urbano”.
Em seu trabalho como arquiteto e urbanista, o artista plástico afirma que trabalha com o conceito de espaços polivalentes. Já dentro de sua pesquisa, o arquiteto diz ter expandido este conceito para indivíduos multifuncionais e para a relação das pessoas com seu ambiente. “Até mesmo animais se tornam polivalentes, como o pombo que mora nas brechas das fachadas”, explica.
Marcelo Peralta é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC). Ele afirma que esta área surgiu na adolescência mais como uma opção de carreira profissional. Já as artes plásticas sempre estiveram presentes na vida dele desde suas primeiras lembranças. Durante sua graduação e nos primeiros anos de atuação, ele se dedicou exclusivamente à profissão de arquiteto e urbanista, porém, tendo as artes plásticas nas veias, ele acabou trabalhando com sinalização, identidade corporativa, ilustrações e painéis – áreas muito próximas da arte. Assim, Peralta leva a arquitetura e o urbanismo lado a lado com as artes plásticas.
Entrevista - Marcelo Peralta
DMRevista: Como você descreve seu trabalho?
Marcelo Peralta: Trata-se de uma investigação do cotidiano coletivo. Por ser formado em Arquitetura e Urbanismo, vivi muito tempo sobre o regime do espaço construído. Hoje, procuro me desligar desse domínio e focar no fato de que a cidade não é fruto de sua constituição física, mas mero produto de nossa cultura, consequência de nossas relações sociais. O espaço físico é mero suporte para o poder de apropriação da população, é como a tela para o artista.
DMR: Quais técnicas e suportes você usa?
MP: Trabalho com suportes mais clássicos como papel e tela, mas não me prendo a eles, muitas vezes crio minhas pinturas sobre objetos, como forma de destacar suas peculiaridades, criar uma simbiose de produto e arte. Acho que isso destaca nuances tanto no meu trabalho como no produto no qual faço a intervenção. Quanto à técnica, procuro não me prender a nenhuma, tento manter a espontaneidade, acho que a vida já possui muitos condicionantes e me prender a um mesmo processo ou técnica de criação para tudo é apenas a criação de mais um condicionante, isso não traz nenhuma vantagem.
DMR: O suporte influencia o tema escolhido?
MP: Os suportes tradicionais como papel ou tela são peças neutras, passivas a intervenção do artista, não comunicam nada por si só. Quando trabalho sobre um objeto, ele, por si só, já expressa um uso, uma intenção, o que faz de meu trabalho um diálogo entre meu trabalho e aquele objeto. Dessa sinergia nascem resultados mais dinâmicos. Quando começo uma pintura sou levado a caminhos imprevisíveis, é quase como uma negociação entre duas partes opostas, na qual ambos precisam ceder para entrar em acordo. Ou as vezes entram em choque e o que fica registrado é essa tensão.
DMR: O realismo ainda tem espaço nas artes plásticas?
MP: A pergunta é outra: o realisto ainda tem espaço nas pessoas? Acho que nossa sociedade é muito eficiente em produzir lixo, descartar o velho e comprar o novo. Aquilo que não queremos deixa de existir, portanto, tudo aquilo que existe o faz porque ainda atende a uma necessidade. Enquanto tivermos uso para o realismo, ele continuará tendo espaço na nossa vida, nas artes plásticas deixo aos críticos a pergunta.
DMR: Você tem alguma influência das HQs?
MP: HQs são minha principal influência. Antes mesmo de aprender a ler, eu já colecionava gibis. Meus pais me colocavam no colo e liam os balões para mim. Era uma experiência hipnótica. Vejo nos quadrinhos um meio de expressão muito rico e ainda com muito potencial a ser explorado.
DMR: Você gosta da forma que Goiânia foi planejada e estruturada ao longo dos anos?
MP: Em todas as cidades, o que se vê é fruto do trabalho de todos. Mesmo sendo uma cidade projetada, ela depende de tantos processos sociais diferentes pra ser implantada e ocupada que a autoria não existe. Goiânia não e fruto de seu projeto, é fruto de sua apropriação. Somos nós, moradores, os grandes criadores ou, se preferir, interventores de seu planejamento inicial. Por esse ponto de vista, não olho para nossa cidade buscando gostar ou não. Acho que a cidade é espelho dos cidadãos, portanto não cabe a crítica, apenas a autocrítica.
DMR: Você já falou da pintura Sagrado Coração de Maria e de como ela suscita uma discussão a respeito dos conflitos entre o carro e o transporte coletivo e entre o individualismo e o coletivismo. O que deve ser feito pelo trânsito de Goiânia para que ele não fique como o de São Paulo? O metrô de Goiânia ainda é um sonho distante?
MP: Acho que cidades como São Paulo nunca conseguirão resolver por completo seus problemas de trânsito. Existe um limite pra tudo e mega cidades que possuem vários milhões de habitantes claramente passaram do limite sustentável. Não serão obras faraônicas de transporte coletivo que resolveram o problema. Falei sobre o individualismo contra o coletivismo por que esse é o ponto crucial. Precisamos promover obras faraônicas na nossa mentalidade. A cidade é fruto das nossas relações sociais então, ao invés de interferimos na cidade que é meramente consequência de nosso comportamento, devemos interferir na maneira com que nos relacionamos em sociedade. Se melhorarmos a maneira de vivermos juntos estaremos solucionando a causa do problema e a cidade passará a refletir essa melhora. O recém-criado Instituto Cidades, em sua palestra de inauguração, destacou muito bem isso. Seja Metrô ou Transporte Rápido sobre Rodas (ônibus expressos em vias exclusivas), o mais importante é que a população assimile a ideia. O empreendedorismo e os investimentos em estrutura são fundamentais, mas necessitam do apoio da população e isso não virá sem uma mudança de mentalidade. Enquanto as pessoas preferirem possuir um carro ou uma moto, a quantidade de veículos individuais na cidade continuará aumentando.
DMR: Quais são seus próximos projetos nas artes plásticas?
MP: Quem visitou a exposição (Polivalente) percebeu que essa investigação está longe de esgotar as possibilidades. Na verdade, isso nem mesmo é possível. Meu processo de investigação continua avançando, mas pretendo expandir a exposição de meu trabalho além dos limites da cidade. Acho que apesar de retratar nossa região, a universalidade do tema pede isso.
Marcelo Peralta: Trata-se de uma investigação do cotidiano coletivo. Por ser formado em Arquitetura e Urbanismo, vivi muito tempo sobre o regime do espaço construído. Hoje, procuro me desligar desse domínio e focar no fato de que a cidade não é fruto de sua constituição física, mas mero produto de nossa cultura, consequência de nossas relações sociais. O espaço físico é mero suporte para o poder de apropriação da população, é como a tela para o artista.
DMR: Quais técnicas e suportes você usa?
MP: Trabalho com suportes mais clássicos como papel e tela, mas não me prendo a eles, muitas vezes crio minhas pinturas sobre objetos, como forma de destacar suas peculiaridades, criar uma simbiose de produto e arte. Acho que isso destaca nuances tanto no meu trabalho como no produto no qual faço a intervenção. Quanto à técnica, procuro não me prender a nenhuma, tento manter a espontaneidade, acho que a vida já possui muitos condicionantes e me prender a um mesmo processo ou técnica de criação para tudo é apenas a criação de mais um condicionante, isso não traz nenhuma vantagem.
DMR: O suporte influencia o tema escolhido?
MP: Os suportes tradicionais como papel ou tela são peças neutras, passivas a intervenção do artista, não comunicam nada por si só. Quando trabalho sobre um objeto, ele, por si só, já expressa um uso, uma intenção, o que faz de meu trabalho um diálogo entre meu trabalho e aquele objeto. Dessa sinergia nascem resultados mais dinâmicos. Quando começo uma pintura sou levado a caminhos imprevisíveis, é quase como uma negociação entre duas partes opostas, na qual ambos precisam ceder para entrar em acordo. Ou as vezes entram em choque e o que fica registrado é essa tensão.
DMR: O realismo ainda tem espaço nas artes plásticas?
MP: A pergunta é outra: o realisto ainda tem espaço nas pessoas? Acho que nossa sociedade é muito eficiente em produzir lixo, descartar o velho e comprar o novo. Aquilo que não queremos deixa de existir, portanto, tudo aquilo que existe o faz porque ainda atende a uma necessidade. Enquanto tivermos uso para o realismo, ele continuará tendo espaço na nossa vida, nas artes plásticas deixo aos críticos a pergunta.
DMR: Você tem alguma influência das HQs?
MP: HQs são minha principal influência. Antes mesmo de aprender a ler, eu já colecionava gibis. Meus pais me colocavam no colo e liam os balões para mim. Era uma experiência hipnótica. Vejo nos quadrinhos um meio de expressão muito rico e ainda com muito potencial a ser explorado.
DMR: Você gosta da forma que Goiânia foi planejada e estruturada ao longo dos anos?
MP: Em todas as cidades, o que se vê é fruto do trabalho de todos. Mesmo sendo uma cidade projetada, ela depende de tantos processos sociais diferentes pra ser implantada e ocupada que a autoria não existe. Goiânia não e fruto de seu projeto, é fruto de sua apropriação. Somos nós, moradores, os grandes criadores ou, se preferir, interventores de seu planejamento inicial. Por esse ponto de vista, não olho para nossa cidade buscando gostar ou não. Acho que a cidade é espelho dos cidadãos, portanto não cabe a crítica, apenas a autocrítica.
DMR: Você já falou da pintura Sagrado Coração de Maria e de como ela suscita uma discussão a respeito dos conflitos entre o carro e o transporte coletivo e entre o individualismo e o coletivismo. O que deve ser feito pelo trânsito de Goiânia para que ele não fique como o de São Paulo? O metrô de Goiânia ainda é um sonho distante?
MP: Acho que cidades como São Paulo nunca conseguirão resolver por completo seus problemas de trânsito. Existe um limite pra tudo e mega cidades que possuem vários milhões de habitantes claramente passaram do limite sustentável. Não serão obras faraônicas de transporte coletivo que resolveram o problema. Falei sobre o individualismo contra o coletivismo por que esse é o ponto crucial. Precisamos promover obras faraônicas na nossa mentalidade. A cidade é fruto das nossas relações sociais então, ao invés de interferimos na cidade que é meramente consequência de nosso comportamento, devemos interferir na maneira com que nos relacionamos em sociedade. Se melhorarmos a maneira de vivermos juntos estaremos solucionando a causa do problema e a cidade passará a refletir essa melhora. O recém-criado Instituto Cidades, em sua palestra de inauguração, destacou muito bem isso. Seja Metrô ou Transporte Rápido sobre Rodas (ônibus expressos em vias exclusivas), o mais importante é que a população assimile a ideia. O empreendedorismo e os investimentos em estrutura são fundamentais, mas necessitam do apoio da população e isso não virá sem uma mudança de mentalidade. Enquanto as pessoas preferirem possuir um carro ou uma moto, a quantidade de veículos individuais na cidade continuará aumentando.
DMR: Quais são seus próximos projetos nas artes plásticas?
MP: Quem visitou a exposição (Polivalente) percebeu que essa investigação está longe de esgotar as possibilidades. Na verdade, isso nem mesmo é possível. Meu processo de investigação continua avançando, mas pretendo expandir a exposição de meu trabalho além dos limites da cidade. Acho que apesar de retratar nossa região, a universalidade do tema pede isso.
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